quinta-feira, fevereiro 12, 2015

medo e delírio em vitória

Boca seca e mente turva, ando por esse bairro turbulento, a avenida próspera é uma casca frágil, um quarteirão atrás dela mais uma quebrada histéricamente agitada.
Coloco a mão no bolso, sinto a minha cueca lá dentro. Ela está usada, frente e verso, encostar nela é sujar um pouco mais a minha mão suja No terceiro dia virei ela ao avesso e no quarto tirei fora, coloquei no bolso, não gosto de jogar nada fora. Tenho uma cueca e um vale transporte, estou sujo, com uma ressaca acumulada por dias. Conhaque, cigarro, cerveja e maconha, me sinto podre e devo realmente estar podre. Não me recordo direito por onde andei, sei que as noites sempre acabavam naquela casa onde tudo acontecia, a liberdade era um horizonte presente e as conversas loucas nunca ofendiam, ainda que convidativa, deveria eu estar perdido nessa por dias?
Já voltei pra casa, isso aconteceu há anos, mas de certa forma ainda estou naquele ponto de ônibus na madrugada. Mendigos ainda estão me pedindo um real, dou tudo que tenho, meu vale transporte. mostro minha cueca como um escudo contra o roubo, quem diabos roubaria um cara com a cueca no bolso? Digo que voltarei a pé pra casa, não sei se é certo chamar esse depósito de frustrações de casa, mas o caminho até ela é tão familiar como um lar, nesse caminho me sinto parte de alguma coisa, de uma cidade com suas neuroses e transcendências. Sinto viver esse organismo arquitetônico, cheiro sua sarjeta e nas horas raras seus perfumes mais caros, sou um exilado de todos os cosmos desse espaço, nem pobre demais, tampouco rico o suficiente. Eu sei da riqueza do encontro com os despossuídos, esse tipo de encontro que tive no ponto de ônibus, estamos com tudo o que temos, com tudo que somos. Todos os cacos e riquezas, só carregamos o que precisamos e damos valor, sejam alegrias, tristezas ou vales transportes. Já não tenho meu vale transporte, já não tem mais ônibus. Seguimos até uma encruzilhada, a esquerda um complexo de bocas de fumo, reto minha cama em forma de abismo.
Andar é a forma mais íntima de se relacionar com a cidade, é o máximo da nudez e transparência permitidos, sou íntimo desses fluxos, caminhei tanto que cheguei a delirar. A cidade sem filtros revela suas facetas mais cruas, esbarra-se em arestas, beija-se bocas e asfaltos. Não se estuda uma cidade, no máximo a vivemos ou vemo-la morrer.

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