terça-feira, janeiro 27, 2009

mensagem na garrafa

Encontrou a seguinte anotação no seu bolso: "o pequeno pedaço de sabonete na pia dava o tom de tempos de economia, a única coisa que acumulava naquele ambiente era uma poeira incrustante. A imagem que tinha daquele lugar era a de uma pia de cozinha muito antiga, daquelas que por mais que você a limpe, um aspecto de sujo e velho não consegue ser tirado por nada nesse mundo”. Não fazia idéia de onde estivera, mas aquele bilhete criara nele uma imagem tão nítida que reconheceria essa cozinha mesmo através da porta.
Sua memória voltava a lhe pregar peças, bilhetes deixados a esmo em seus bolsos e a sensação constante de não reconhecimento atormentava-lhe a consciência. Seria isso um sonho maluco? Estava novamente na sua casa, mas não reconhecia nada além de sua caligrafia nas paredes. - “Que lugar é esse? E por que escrevi isso nas paredes?”
A memória tem vontade própria e à medida que se sente maltratada pelas substancias encontra outros espaços para se manter existindo. No curioso caso de P. ela havia se refugiado na escrita, particularmente naquela feita à mão. As imagens que brotavam de seus escritos recuperavam aquilo que nunca havia pertencido a ele próprio.
Quando ele ficava vários dias seguidos sem escrever, tinha a forte impressão de que havia dormido por semanas sem parar e foi numa dessas hibernadas que P. acordou com uma mulher ao seu lado na cama. Ela tinha escrito nos braços dela que ela realizava a poesia na vida e que conseguia traduzir diamantes, isso bastou para que seu mau humor desaparecesse, mas o remorso de só saber dela aquilo que havia escrito angustiava seu coração, não acordou a moça e, com essa sensação de parcialidade do conhecimento foi direto para o banheiro. Enquanto escovava os dentes viu no reflexo do espelho uma frase escrita com uma letra feminina em seu peito. Teve dificuldade de ler a frase refletida e contorcido começou a entendê-la “você escreveu a vida em meus olhos, não precisa mais sentir a ausência”.
Aquela frase ganhou um contorno sonoro, ele podia ouvi-la sendo sussurrada em seus ouvidos. Ele reconhecia a voz que estava por trás daquelas palavras, ele sabia quem as havia proferido ele se lembrava da pele que cobria aquelas palavras e do olhar carinhoso que preenchia os silêncios. P. então correu para seu suposto quarto e olho para sua suposta cama e ela estava completamente vazia.
Desacreditado escreveu um bilhete “M. acreditava que destruía minha memória com as substâncias que consumia, mas é a distancia entre nossos corpos que faz toda lembrança perder o sentido. Você é a minha ilha e enquanto não te achar novamente, deixe-me sentir sua falta”. Lembrou de Guadacanal a ilha onde havia encontrado M. pela primeira vez, lembrou de toda inocência que os rodeavam, de todo amor que só poderia nascer ali mesmo, naquelas praias tropicais. Lembrou de tantos detalhes da sua personalidade e corpo que não conseguiria sequer descrevê-las, a velocidade que essas sensações voltavam para sua consciência não existia escrita rápida o suficiente para transcrevê-las.
Ao não conseguir realizar isso voltou a dormir por dias. Não estava por perto quando ele meteu a mão no bolso de sua bermuda suja e encontrou o bilhete que escrevera para a posteridade, soube que o encontrara andando pelas estradas do norte. Quase consigo enxergar o sorriso que seu rosto desenhou ao saber o que estava procurando e para onde estava indo. P. sumiu, mas aposto que sua memória voltou.

terça-feira, janeiro 20, 2009

"se é verdade que a linha reta faz uma curva no infinito, essa curva com certeza é para a direita"

da política

sexta-feira, janeiro 09, 2009

da saudade.

"A saudade é o vazio preenchido por lembranças."