sábado, fevereiro 18, 2006

AS METAMORFOSES DO VAMPIRO

(Charles Baudelaire)
E no entanto a mulher, com lábios de framboesa
Coleando qual serpente ao pé da lenha acesa,

E o seio a comprimir sob o aço do espartilho,

Dizia, a voz imersa em bálsamo e tomilho:
- "A boca úmida eu tenho e trago em mim a ciência
De no fundo de um leito afogar a consciência.

As lágrimas eu seco em meios seios triunfantes,
E os velhos faço rir com o riso dos infantes.
Sou como, a quem me vê sem véus a imagem nua,
As estrelas, o sol, o firmamento e a lua!
Tão douta na volúpia eu sou, queridos sábios,

Quando um homem sufoco à borda de meus lábios,
Ou quando os seio oferto ao dente que o mordisca,

Ingênua ou libertina, apática ou arisca,
Que sobre tais coxins macios e envolventes

Perder-se-iam por mim os anjos impotentes!"

Quando após me sugar dos ossos a medula,
Para ela me voltei já lânguido e sem gula

À procura de um beijo, uma outra eu vi então

Em cujo ventre o pus se unia à podridão!
Os dois olhos fechei em trêmula agonia,

E ao reabri-los depois, à plena luz do dia,
Ao meu lado, em lugar do manequim altivo,

No qual julguei ter visto a cor do sangue vivo,

Pendiam do esqueleto uns farrapos poeirentos,

Cujo grito lembrava a voz dos cata-ventos

Ou de uma tabuleta à ponta de uma lança,

Que nas noites de inverno ao vento se balança.

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já estava na hora de ter algo bom escrito aqui.
Engraçado que esse texto não podia cair em minhas mãos em hora mais apropriada.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

point of no return


quando você pára e, por alguns segundos, olha para trás e isso só te faz andar para frente incontestávelmente, é óbvio que você chegou num ponto sem retorno. se você fez tudo direitinho, mesmo sem saber o amanha esse é seu caminho, por dois motivos, (1) é tudo o que você tem e (2) é tudo o que você poderia desejar. então, qualquer questão sobre o que fazer nessas horas parece idiota e pequena, mesquinha demais para sua alma. porque no fundo você sabe. você simplesmente sabe. parecido com uma música que você sabe tocar perfeitamente e você fecha os olhos e toca. cada nota, tempo e sentimentos entrando e saindo pelos seus dedos de maneira fluida e intensa. parece que você controla tudo nesses momentos, mas não é nada disso, na verdade você não controla nada, nem uma vírgula... as coisas simplesmente vem e vão, mas tudo esta tão perfeitamente encaixado que você solta o volante e só vai. pulamos o mesmo pulo e só desejo cair do seu lado.

sábado, fevereiro 11, 2006

em cada conversa, uma parte de nossa história secreta

Agora pago pelos maus tratos que fiz ao Destino, os 24 anos zombando sua existência uma hora provocariam sua ira. Aquele que encaminha toda uma vida para o incerto por certo que ofende esse sujeito, mas o importante para se saber dessa entidade onipresente (assim também com as outras) é o seu enjôo absurdo do teatro sem graça que é a humanidade. Esse tipo de cara esta de saco cheio, só vai se importar com você quando tu quiser fuder com ele, mas sua resposta não é uma maldição insuportável... é mais sutil e com altas doses de sarcasmo.
O destino geralmente ofende aqueles que não se contentam com um aspecto dominador de suas próprias decisões, ou seja, mesmo diariamente assumindo escolhas, as mesmas não podem sonhar em dominar meu espírito. Afinal de contas, quem é o capitão desse navio? Existe, para meu espírito, uma única maneira de continuar voluntariamente em algum caminho, o mesmo precisa ser intenso. E pode parecer fácil achar isso, mas nesses dias quando o tédio quase que exclusivamente gerencia a vida, intensidade é uma raridade.
Dessa forma
já faz anos que me vejo perdido, me agarrando em futilidades para freiar a qualquer custo o caos, mas toda vez que casei com futilidades do divórcio só herdei o cinismo. Assim, minha busca tornou-se achar uma fórmula para se mover intensamente. Um estado de espírito que facilitasse as coisas, custando alguns relacionamentos, descobri que preciso estar constante e completamente apaixonado. Quanto mais a paixão me empurra para o abismo da loucura mais ela move minha vida do jeito que eu gostaria.
Assim nós vamos, a cada conversa, construindo nossa história secreta, aquele universo infinito enquanto for apaixonante.
Depois eu conto porque o Destino é um canalha.

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

get the road, get the fucking road!

hoje sou uma espécie de road junkie com crise de abstinência, já faz uns 2 anos que não viajo. E quando a sua própria cidade vira parte do enredo de um amor fracassado, a necessidade de se mandar daqui aumenta drasticamente. Eu lembro quando as ruas escreviam seu nome e tudo era apaixonante, mas hoje minha ilha esta sem graça. Carros, rostos tristes e toda espécie de filhodaputa conseguem me deixar de mau humor. Eu sabia que isso podia acontecer, quando tudo que apostei nesse relacionamento foi minha percepção da cidade, da minha cidade.
Lembro quando tudo isso começou, antes da ruina, eu estava procurarando uma palavra para definir minha cidade. Do mesmo jeito que Saudade define Lisboa, precisava encontrar a palavra-chave que todas as noites o movimento dos faróis escreviam pelas ruas. Ainda hoje acho que essa palavra seja encontro, mesmo sabendo que isso, hoje, perdeu significado para mim. Porque tudo que procuro hoje esta longe daqui e essa busca exige uma urgência assustadora. Eu preciso pegar a estrada.