quarta-feira, janeiro 10, 2007

já é hora de desvirar a ampulheta


Deveria estar certo de que ao desvirar a ampulheta começaria uma nova contagem do tempo, mas desde que a ampulheta parou o que essas areias guardaram dentro de si naquele contar do tempo? Construíram castelos de areia, forminhas de praia, palavras sutis e atritos... ora escorreram suavemente ora dolorosamente, como se estivessem arranhando meus olhos. Sólidas e salgadas estruturas, diria, se não carregasse a doce propaganda da memória sem rastro, foliginosa e enfumaçada. Não faz mais diferença, as areias são pequenos manuscritos do tempo, nelas estão contidas todas as experiências dos milênios, vem de bem antes da minha recente existência e a elas juntar-me-ei num futuro recente. Quem duvidaria de nossa pequenez?
Será que as areias envelhecem? Talvez elas sejam as formas da velhice, o pó. São pelo menos quando uma bunda velha senta e deforma a areia com suas curvas mulambentas e gravitacionais.
As areias desertas de qualquer estação gravam sua volúpia silenciosamente, resistem ao seu destino atômico e tragicômico, afinal quem será lembrado nas areias do esquecimento? Quem será amado ou odiado? Quem terá o perfume tatuado e a textura da sua pele impregnada dos/nos poros de outrem? Quem conhecerá os segredos dos mares da outra pessoa e terá a sensação de estar sempre a desvendá-los em qualquer momento? Tanto nas lembranças quanto na imaginação!
Agora sou um exercício, uma matemática torta que visa potencializar todos os momentos da vida, sem piedade minha ampulheta soterra o tempo e minha miserabilidade. É a faca que você, supostamente, amola contra si mesmo. Acreditando que viver entre o delírio e o mistério torna a vida um pouco mais excitante. Não existe mais contabilidade, nem balança. A ampulheta nunca foi desvirada, porque ainda não acabou, quem desvira a ampulheta é a morte e nosso xadrez ainda esta no começo da partida, espero.

sempre inacabado, como precisa ser.

sábado, janeiro 06, 2007

drop your guns

aquilo que não vivi permace com o encanto do que não foi, é que tudo parece maior quando sou incapaz, covarde e medroso. como você pode ver esse ego grande e esquizofrênico não tem mais receios, até suas fraquezas (conhecidas e exploradas por uns, odiadas e amaldiçoada por outros) são propagandeadas com a sinceridade da publicidade.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

av. entranhas esquina com a coração

Desculpe se não escrevo sobre as belezas turísticas de minha cidade, não me interessa esse tipo de atração local onde o comportamento se manifesta tão padronizado e etéreo, onde as particularidades são assassinadas por posturas débeis e infantilizadas de seres ignóbeis geralmente chamados de turistas que, seguindo fórmulas simples, congelam seus sorrisos desnatados em primeiro plano ofuscando paisagens de fundo com sua morbidade seriada - na verdade todas essas fotos, acredito, são os retratos de uma auto-imagem fria e sem personalidade que prefere a imagem à vida.
Espero não desapontá-la na forma como vejo e descrevo esse lugar onde a beleza é tão simples e pequena que fica difícil decifrá-la, para isso me embriaguei dessa cidade na esperança de transformar minhas impressões do espaço em algo mais cotidiano. Embriaguei-me e ainda estou bêbado, às vezes sinto uma ressaca de vitória, facilmente contornada com outra dose de aventura e descoberta. Caminhei perdido e cambaleante por suas ruas, provei seu amargo, às vezes, seu doce. Procurei ruas pequenas, onde as almas distantes se vêem de muito longe e nossos passos assumem uma cadência envolvente e são escutados e percebidos, por segundos ou anos conforme a melodia que nossos pés suscitam. Na multidão abri trilhas estreitas onde só passava uma pessoa por vez. onde tinha barulho eu cantei alto em voz muda. Onde era vazio expandi-me até ficar rarefeito, até ficar frio, até perder o equilíbrio.
À direita. Atravessei da raiva à serenidade, curvei na perspectiva, subi no respeito, atravessei o doce cume da eternidade que tatuado nas minhas entranhas e coração ainda se faz presente mesmo como ausência amarga ou doce coexistência. Desci o vale em espiral que torce o vento num ciclo constante que me trouxe de volta à partida. Aterrorizei-me com a perspectiva da ausência de história através da clara noção da linha que rodopia constantemente em torno de cada dúvida fundamental, uma fatigante peregrinação entre sugestões e pesadelos.
A esquerda costuma acabar no tédio, acho que parte da culpa esta na minha repulsa ao norte(ador). As formalidades da comunicação, à postura servil assumida tanto por mim, quanto pelas massas.
Quem diz que vitória é uma ilha deixa-se enganar pela metafísica da geografia, ou pelo mau costume das ciências que, geralmente, se mostram num plano autista que não diz nada a respeito da vida. Mas como podem dizer que essa cidade é uma ilha? Vitória é um arquipélago! E por mais mapeado que seja já vi em centenas de olhares, pessoas que descobriram suas ilhas secretas. Pequenos espaços inabaláveis e indestrutíveis sujeitos somente às ações do esquecimento.

(continua?)
(continua!)