quarta-feira, novembro 05, 2008

buteco dos conhaques uivantes

Como se uma voz sussurrasse no meu ouvido e, tinha tempos que não escutava um doce sussurro. Apesar do tom suave e do sotaque encantador a mensagem era sinistra e bagunçada, dizia caoticamente: "there's no chance, ça vá? Go! e foda tout ao seu around, você avez understand, mané?" Eu coçava os olhos e tentava entender da onde vinha aquela mensagem que, a cada pegada no copo, quando meu foco se concentrava nas cores do conhaque e na imagem do fundo que começava a se revelar, era repetida e embaralhada cada vez mais dentro da minha cabeça.
Esse tipo de confusão mental eu, geralmente, reservava para os momentos solitários de ajuste de consciência. Como pude perceber esses ajustes nunca foram eficazes e sempre ignoraram pedaços enormes da minha existência. Dessa vez a enxurrada de idéias escolheu um antigo bar que freqüentava e para evitar os efeitos catastróficos me perguntava inocentemente que tipo de "silêncio" anunciava essas tempestades. Esse é o tipo de pergunta que faz de você uma mosca morta no meio duma briga, um panaca diante de um flerte e uma piada diante da ironia.
Voltando ao bar, do meu lado tinha uma menina e um rapaz afeminado, como a voz parecia feminina, mal terminei uma golada e me virei diretamente para ela. Era o tipo de sussurro que tem que ser dito bem perto do ouvido. Achei que com esse gesto ágil conseguiria pegá-la no flagra, mas foi assustador quando a vi com o olhar completamente distante.
Outro gole, mas esse foi menor porque a bebida já estava no final. Esperei lendo o fundo do copo que a voz voltasse a pronunciar algo, mas foi da minha boca que sairam algumas palavras pedindo um "outro conhaque, por favor". Alguém comentou na mesa que bebia conhaque quando tinha 15 anos. Pensei "uau" sem querer me explicar muito disse que gostava mesmo da bebida.
Distração ou socialização, não sabia ao certo. A voz parecia ter saído do meu ouvido e entrado na minha corrente sanguínea, se "a verdade está no vinho" o caos estava engarrafado com o conhaque. "Sim, é isso!" comemorei como se essa fosse uma idéia brilhante, felizmente interrompida por um "Aqui seu conhaque". Era esse o som que precedia minha tempestade, pensei. As primeiras doses vieram acompanhadas de um constrangedor "senhor", esse tipo de idiotice não era mais necessária, mas não sei porque havia reparado sua ausência. Dei um longo gole para ver se a voz voltava aos meus ouvidos. Nada. Volto a atenção para a mesa e vejo que a conversa é interessante, mas minha mente está tão turva que existe um abismo entre o pensamento e a fala. Faço uma piada infeliz, então escuto novamente "there's no chance". Concentro-me para não demonstrar o baque que foi escutar isso novamente, agora mais sussurado e próximo da minha orelha ou loucura. Fui bem sucedido porque ninguém prestava atenção de qualquer forma. Olho pro fundo do copo novamente e, ao inclinar o mesmo para beber... o líquido que parecia um mel mais fluído escorre pela parede do copo formando um desenho. Ele parece um órgão, parece um polvo, parece um câncer.
Engasgo com a bebida e para não deixar o soluço sozinho no universo faço uma careta terrível, alguém me olha com pena e desprezo. Penso que a pessoa não sabe se expressar direito. É patética e paradoxalmente ambígua. Com certeza quer agradar a opinião pública. Eu sou apenas ridículo e isso é simples, é puro, é cristalino. Tento pedir outro conhaque, mas o garçon me ignora. Esse tipo de atitude me tira de qualquer lugar. Estou ousado porque tenho um pouco de dinheiro no bolso, hoje não preciso de cartão. Hoje eu sou o poderoso chefão. Me despeço e deixo vinte reais na mesa, penso que o conhaque é barato demais para vinte reais, mas estou bêbado demais para fazer conta. O poderoso bebão. A voz volta para se despedir da noite "there's no chance, c'est merda no tien fin, ça vá mané?". Digo "ok" sorrindo.

4 comentários:

Anônimo disse...

tá partindo pra comédia?

Leonardo Prata disse...

tá achando graça?

Anônimo disse...

doida como a vida.

DonaCarolina disse...

cara... às vezes sinto falta de ser homem pra escrever. senti agora, com os seus conhaques uivantes... coisa que me escapa à escrita por ausência de culhões.

certas coisas só podem ser escritas coçando o saco.