sexta-feira, julho 10, 2009

Perdido na tradição

D: Você é uma falcatrua!
A: Não acredito que atravessei o inferno à toa.
D: Que inferno? Ai meu deus, além de falcatrua é melodramático.
A: Cada um sabe a cruz que carrega.
D: Cristão também!? Você precisa entender que teve tudo sempre de mão beijada, você não tem o direito, n-ã-o t-e-m o d-i-r-e-i-t-o de reclamar. Se algo tão simples, ainda mais sendo do seu próprio interesse, tenha se transformado num calvário isso é problema exclusivamente seu.
A: Certo Dulce, você quer e sabe ser afiada, não me espanta que o seja. Este assunto só poderia ser tratado contigo porque compartilhamos a intimidade tão bem que mesmo através de abstrações chegaremos no núcleo do problema. O prisma que você utiliza é perfeitamente cabível e adequado aos meus critérios de julgamento, não fujo nem um milímetro da responsabilidade, inclusive das minhas atitudes mais inconseqüentes ou inconscientes. A questão nunca foi essa.
D: E qual foi?
A: Resumir as coisas ao indivíduo é tão simples quanto cruel, o problema é que se eu continuar com essa linha vai parecer que estou me desculpando e não quero ter essa intenção.
D: Ah! Alberto. Não gosto do seu discurso, às vezes vejo tanto sofrimento no seu coração, se você não tivesse sido covarde comigo, até teria simpatia por sua pessoa.
A: Não misture as coisas.
D: Não exija merda nenhuma, você é uma falcatrua.
A: Enquanto você se ocupa em atirar pedras, prefiro juntá-las para fazer um muro. Quanto mais você jogar maior será a altura do mesmo.
D: Estarei do lado de fora do muro?
A: Preciso sobreviver a sua artilharia para construí-lo, depois disso saberei o que é dentro e fora nessa guerra toda.
D: Você é desprezível, mas às vezes fala umas coisas que me encantam.
A: Você tem muita raiva e isso, por incrível que pareça, me ajuda. Só não posso parecer irônico, porque esses seus sentimentos são como um castelo de cartas, eles podem ficar extremamente altos e complexos, mas uma simples brisa pode levá-lo ao chão.
D: Teve aquela vez que você riu e levou umas bordoadas.
A: Achei que nunca mais conseguiria olhar nos seus olhos novamente, mas veja como é o tempo e suas propriedades alucinógenas.
D: Alucinógenas?
A: Convenhamos, você foi de uma conivência absurda, isso não é coisa que se faça.
D: Você sempre se mostrou ultra-inteligente, por que eu haveria de te ensinar algo?

Alberto da uma risada constrangida enquanto coça a cabeça. Um silêncio se instala na mesa, parece que o mundo todo se calou.

A: Vou dar uma volta, essa conversa não vai levar a lugar nenhum.
D: Como é que aquele menino falava? “We're going nowhere!”
A: Isso está fora do contexto e o entusiasmo que tinha correu pelo ralo.
D: Alberto, você é uma falcatrua.
A: Tudo bem, você venceu. Batata frita. A falcatrua aqui vai ficar bêbada com seus demônios.
D: Vai se tratar.
A: Vou, meu consultório é o bar. Beijo.

3 comentários:

Priscila Milanez disse...

Reduzir as coisas ao indivíduo é ideologica e pateticamente cômodo. Ampliar de mais até as estruturas, pode ser tão reducionista qto.E aí?

Leonardo Prata disse...

Temos que construir uma filosofia do meio termo. :)

Thalita Covre disse...

"Enquanto você se ocupa em atirar pedras, prefiro juntá-las para fazer um muro. Quanto mais você jogar maior será a altura do mesmo."

me identifiquei com o Adalberto.